Diz o Salmo 23:
“O SENHOR é o meu pastor e nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.
Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.
Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.
Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias.”
O que está bela oração pode significar para o ser humano em geral, e sobretudo para o buscador espiritual?
Aqui vamos analisá-lo e refletir sobre isso.
Os significados do Salmo 23
No Salmo 23, Deus é descrito no papel de protetor e fornecedor de alimento, de sustento.
É um salmo recitado e cantado tanto por judeus como por cristãos.
Para os cristãos, o termo Senhor às vezes se refere ao próprio Jesus, que no Evangelho segundo João se declarou o “Bom Pastor”.

De acordo com o relato bíblico de I Samuel capítulo 16, o rei Davi quando menino era pastor e, como tal, conduzia rebanhos. Nós o encontramos pastoreando as ovelhas de seu pai Jessé em um campo perto de Belém, cidade onde nasceu Jesus.
Natural que Davi, tendo sido um pastor, fizesse referência a esse seu trabalho de quando era jovem no Salmo 23. Ele compôs ao todo mais de 70 salmos.
O Salmo 23 retrata Deus como um bom pastor, alimentando (versículo 1) e guiando (versículo 3) seu rebanho.
A vara e o cajado (versículo 4) também são instrumentos de um pastor.
Alguns comentaristas veem as imagens do pastor presentes em todo o salmo.
Sabe-se que o pastor deve conhecer cada ovelha pelo nome. Portanto, quando se faz a analogia do pastor, Deus é não é apenas o protetor, mas também o zelador, que conhece cada pessoa individualmente.
Cada um de seus filhos para ele é único e especial.
Deus, como zelador, conduz as ovelhas a pastos verdes (versículo 2) e águas tranquilas (versículo 2) porque sabe que cada uma de suas ovelhas deve ser conduzida pessoalmente para ser alimentada.
Obviamente, as águas tranquilas não são apenas poças de água das quais se pode beber em paz e sem perigo.
Na realidade, evoca-se um caminho de paz, um caminho espiritual para a paz interior, onde se repousa no final de uma viagem perigosa e cheia de dificuldades (o mundo e as exigências materialistas).
Sem seu Pastor, a ovelha morreria pelo ataque de um predador (uma das feras que circulam pelo mundo) ou de fome, pois as ovelhas são conhecidas por seu desamparo sem pastor. Elas ficam perdidas.
E qual seria o predador? O que seria essa fera? Podemos dizer aqui que não seria um só e que há várias possibilidades de interpretação.
O predador pode ser o próprio ser humano. “O homem é lobo do homem”. Nesse sentido, são aqueles que ficam à espreita de vítimas, que não respeitam seu semelhante e podem atacá-lo com violência ou enganá-lo.
O predador, ou predadores, também pode ser os perigos espirituais. Os seres espirituais negativos e hostis que ameaçam e desviam o ser humano.
Por outro lado, quando está com Deus, o ser humano pode andar no vale da sombra e da morte que não está ferido. O cajado (a força) de Deus o protege. Ele nunca está só. E é assim, pela consciência que não estamos só, que nosso pastor não nos abandona, que podemos vencer o medo.
E é vencendo o medo que chegamos “na casa de Deus”, onde podemos passar “longos dias”.
Em pequena escala, onde há acolhimento e amizade, aí está Deus. Eis o lugar onde se está verdadeiramente em casa.
Em grande escala, a “casa de Deus” pode ser a iluminação ou libertação espiritual, o Paraíso, os planos superiores de consciência e existência.
Quanto ao seu oposto, o vale escuro e sombrio, não se trata apenas de um abismo onde a luz não chega, onde a noite é profunda.
Na psicologia da pessoa humana, é antes o medo das trevas, da morte, aquele medo que surge na consciência e que não cessa, a menos que uma voz venha de cima para trazer palavras de conforto.
E aqui voltamos ao medo, que o Salmo 23 insiste em nos fazer pensar que deve ser superado.
Usos do Salmo 23
Este Salmo costuma ser bastante popular.

É usado em diversos momentos por pessoas que pedem por proteção, ajuda ou para agradecer por uma dádiva recebida, para que as coisas continuem a não faltar na vida de quem recebe.
Foi e é muito usado em sermões.
Os cristãos Ortodoxos geralmente incluem este Salmo nas orações de preparação para receber a Eucaristia.
Na Igreja Católica Romana, este salmo é cantado como salmo responsorial nas missas pelos mortos.
Não por acaso, até por seu uso muito comum nos países de língua inglesa, muitos filmes com cenas fúnebres frequentemente retratam a recitação do salmo à beira do túmulo.
Na sua vida do dia a dia, você pode recitá-lo até como uma forma de “ressurreição”. Se você estiver passando por uma fase difícil, recite-o para se reerguer, para se levantar de suas cinzas.
Se estiver sentindo uma morte interna, um vazio, ele poderá ajudá-lo a ir aos poucos preenchendo esse vazio.
Possíveis origens do Salmo 23
O tema de Deus como pastor era comum no antigo Israel e na Mesopotâmia (atual Iraque na antiguidade).

Por exemplo, o rei Hamurabi, na conclusão de seu famoso código de leis, escreveu: “Eu sou o pastor que traz bem-estar e prosperidade abundante; meu governo é justo… para que os fortes não oprimam os fracos, e para que até o órfão e a viúva sejam tratados com justiça.”
Essas imagens e linguagem eram bem conhecidas em todo o Oriente Médio e o rei Davi, que além de tudo teria sido pastor, certamente estava a par desse contexto.
A cultura pastoral era algo difundido na época e o bom governante acabava sendo um pastor de homens. Assim como um guia espiritual se tornava um pastor de almas. E não era raro entre os reis antigos a figura política e a religiosa se fundirem, serem uma coisa só.
Contudo, o que podemos salientar é que a essência do pensamento teológico de Israel é expressa no Salmo 23 por meio de ricas imagens que podem ser percebidas por todos, mesmo por aqueles que não estão familiarizados com uma cultura agrícola e pastoral.
Podemos dizer que a composição apresenta dois temas distintos (versículos 1-4: “tema do pastor”; versículos 5-6: “tema do hóspede”).
O primeiro versículo da primeira parte é a chave de leitura de todo o salmo: falando de ovelhas e pastores, o salmista se refere à relação entre o homem e seu Deus.
No salmo 23, a história do povo e a do indivíduo se fundem e fluem em uma expressão de plena confiança no único Pastor, o Senhor que libertou Israel do Egito e “o conduziu como um rebanho” pelo deserto, fornecendo-lhe água, comida e descanso. Experiência que é garantia de serenidade para o presente e de confiança para o futuro.
O Salmo 23 na música
As palavras desse salmo costumam ser musicadas. Principalmente por compositores de hinos.
Versões musicais do Salmo 23 foram escritas por vários compositores clássicos, incluindo Johann Sebastian Bach (Coro de Abertura da Cantata No. 112) e Franz Schubert.
Na música internacional do século XX em diante, o Salmo 23 está presente por exemplo na composição de Duke Ellington.
Há também as gravações feitas por conjuntos de rock como Pink Floyd (Sheep, no álbum Animals) e U2 (Love Rescue Me, no álbum Rattle and Hum).
A versão original, em hebraico, também já foi musicada e pode ser uma boa opção para se realizar uma meditação, até pela força de sua egrégora. Afinal as palavras em hebraico já acumularam uma energia de séculos e séculos de devoção.