O que é o Kardecismo?
Kardecismo é o nome dado ao sistema de doutrinas e práticas espíritas codificado por Allan Kardec.
Os princípios religiosos e filosóficos e as técnicas terapêuticas de Kardec foram especialmente influentes no desenvolvimento do espiritismo no Brasil de meados do século XIX até o presente.
O início da vida de Kardec
Allan Kardec nasceu como Hyppolyte Léon Denizard Rivail em 3 de outubro de 1804, em Lyon, na França. Filho do juiz Jean-Baptiste Antoine Rivail e de Jeanne Duhamel, Rivail recebeu uma educação completa.
Descendente do lado paterno de uma família de magistrados, e do lado materno de uma família de teólogos, escritores e matemáticos, foi enviado ainda menino à Suíça para estudar com o famoso pedagogo Henri Pestalozzi. Ele se distinguiu pela inteligência e precocidade: aos quatorze anos, Rivail dominava várias línguas e era fluente em grego e latim.
Tendo recebido treinamento como professor, ele retornou a Paris e obteve o diploma de bacharel em ciências e letras. Segundo alguns de seus biógrafos, Rivail concluiu o curso de medicina aos vinte e quatro anos. Durante seus estudos, ele ensinou francês, matemática e ciências.
Tendo porém falhado em sua tentativa de criar uma instituição de ensino segundo o modelo de Pestalozzi, ele sobreviveu fazendo traduções e ministrando cursos em escolas e institutos.
Apesar de seus estudos médicos, os oito livros escritos de 1824 a 1849 tratam de matemática, gramática e ciências físicas em geral, nas quais prevalecem suas preocupações pedagógicas. Associou-se a várias associações profissionais, pedagógicas e científicas.
Em suma, Rivail aparentementeera um estudioso europeu típico de sua época, com formação clássica em letras, crenças positivistas (ou seja, de fé na ciência e no progresso através dela) e especialização profissional no campo do ensino.
Kardec e o magnetismo
No entanto, Rivail não era um positivista ortodoxo. Dotado de uma grande curiosidade sobre fenômenos ignorados e até mesmo evitados pela ciência oficial, ele pertencia à Sociedade Francesa de Magnetistas.
O hipnotismo, o sonambulismo, a clarividência e fenômenos semelhantes o atraíram fortemente. Ele os estudou como fenômenos físicos resultantes de causas desconhecidas, uma abordagem resultante do fato dele ser um seguidor da teoria do magnetismo animal, chamada Mesmerismo, exposta por Franz Anton Mesmer (1734-1815).
Primeiro contato de Kardec com o espiritismo
O magnetismo colocou Rivail em contato com o espiritismo. Ele tinha então 51 anos e havia consolidado sua formação científica.
Entre os anos de 1854 e 1855, a chamada mesa giratória falante invadiu a Europa a partir dos Estados Unidos e despertou uma grande curiosidade.
Várias pessoas se sentavam ao redor de uma mesa, de mãos dadas, em um estado de concentração mental: após um certo lapso de tempo, a mesa começava a girar, a produzir ruídos e até mesmo a responder, em código, às questões propostas pelos participantes.
Essa prática se tornou uma moda passageira, especialmente nos círculos mais elegantes. Rivail foi apresentado por amigos magnetistas a tais sessões, que já eram aceitas por seus promotores como demonstrações de fenômenos espirituais.
Ele estava inicialmente cético sobre sua autenticidade, mas logo iria mudar a sua opinião. Sob sua supervisão, as sessões não eram mais dedicadas a consultas frívolas e jogos de adivinhação, mas se tornaram sessões de estudo sério.
Rivail considerava tais fenômenos relevantes e naturais, embora invisíveis, e acreditava que se deveria adotar uma atitude “positivista e não idealista” em relação a eles.
Se as condições em que tais fenômenos se manifestavam impediam o uso de instrumentação científica comum, ele acreditava que se deveria pelo menos empregar o método científico de “observação, comparação e avaliação”.
Rivail se torna Allan Kardec
Assim, inspirado por suas próprias experiências, estimulado por ilustres espíritas que lhe forneceram cinquenta cadernos contendo mensagens de almas de pessoas falecidas, e guiado pelos espíritos que lhe conferiram o papel de codificador do espiritismo, Rivail tornou-se Allan Kardec.
Ele adotou esse pseudônimo sob a inspiração de um de seus espíritos-guia, que revelou que esse era seu nome em uma encarnação anterior, na qual ele havia sido um druida na antiga Gália.
Os livros de Allan Kardec: a literatura essencial do Kardecismo
Em 1857, publicou sua obra fundamental, Le livre des esprits (O Livro dos Espíritos), que na sua primeira edição continha 501 perguntas respondidas pelos próprios Espíritos.
Já quando sairia sua vigésima segunda edição, a definitiva, o número de questões havia crescido para 1.019.
Depois disso, seguiram suas outras obras: “O que é o Espiritismo?” (1859); “O livro dos médiuns” (1861); “Refutação aos críticos do Espiritismo” (1862); “O Evangelho segundo o Espiritismo” (1864); “O Céu e o Inferno, ou A Justiça divina segundo o Espiritismo” (1865); e “A Gênese, os milagres e as previsões” (1868).
A literatura essencial do kardecismo inclui ainda suas obras póstumas, publicadas em 1890, e um número incalculável de artigos publicados ao longo de um período de onze anos na Revista Espírita editada pela Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada por Kardec em 1858 e que ele presidiu até a morte em 1869.
A doutrina do Kardecismo
O kardecismo, tal como codificado por Kardec, define a doutrina espírita da seguinte maneira: existem almas, ou espíritos, de pessoas falecidas que são capazes de se comunicar com os vivos por meio de fenômenos mediúnicos.
Eles pertencem a um mundo invisível, mas natural; não há discussão sobre magia, milagres e o sobrenatural no kardecismo. Este mundo invisível e imaterial é, como parte do mundo natural, suscetível à experimentação, mas, ao contrário do mundo natural, é eterno e preexistente e é identificado com bondade, pureza e sabedoria.
Há uma hierarquia espiritual que vai desde aquela mais intimamente identificada com o plano material (e, portanto, com o mal, a impureza e a ignorância) até aquela da plenitude espiritual.
Deus é a causa primária que gera o material e o espiritual; os espíritos são gerados por ele e, embora recebam uma missão e se submetam à lei do progresso constante, são dotados de livre arbítrio.
Os Espíritos progridem continuamente em direção à perfeição e cumprem suas missões por meio de sucessivas reencarnações, não apenas na Terra (considerada um planeta de expiação), mas também em outros mundos.
A lei de causa e o efeito explica a felicidade ou a infelicidade humanas como consequência do bem ou do mal praticados em encarnações anteriores.
A caridade cristã é uma virtude suprema (Cristo é considerado o espírito mais elevado que já se encarnou) que torna possível a evolução espiritual; e é seguida de perto em importância pela virtude da sabedoria.
O mundo social, visto como local de atividade dos espíritos em desenvolvimento, mas moralmente livres, e como produto da evolução, mesmo com suas injustiças e desigualdades, é em última análise considerado justo. E a busca pela perfeição é regida pela ética.
Curiosamente, Kardec permaneceu praticamente desconhecido por muito tempo fora dos círculos espíritas franceses.
Aproximadamente sessenta anos após sua morte, Arthur Conan Doyle (o criador de Sherlock Holmes), como presidente da Liga Espírita de Londres e presidente honorário da Federação Espírita Internacional, dedicou apenas algumas páginas escassas a Kardec, em um dos vinte e cinco capítulos de sua extensa “História do Espiritualismo” (1926).
Parecem existir duas razões relacionadas a essa obscuridade: o espiritismo britânico não aceitava a ideia da reencarnação e, exceto na França, a afirmação de Kardec ser o verdadeiro codificador do espiritismo em virtude de uma missão a ele confiada pelos espíritos não foi prontamente aceita.
Atualmente, no entanto, esse papel tende a ser universalmente aceito pelos espíritas, também muito em razão da difusão que o Kardecismo teve no Brasil.
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