Às vezes vemos pessoas tratarem incorporação e possessão como se fossem a mesma coisa, como um único fenômeno.
A verdade é que as coisas não são bem assim.
Mas quais são as diferenças entre incorporação e possessão?
Este é um tema bastante complexo e que envolve diferentes práticas e crenças espirituais. Vamos aqui dar uma visão geral a respeito, sabendo que é impossível esgotar o assunto com um único artigo.
O que é a incorporação?
A incorporação é uma prática na qual se propõe que a alma de um ser humano falecido possa se conectar a um médium através dos chakras e comandar seu corpo, podendo assim interagir com o meio físico.
A incorporação pode acontecer em diferentes níveis de consciência do médium e o controle da alma sobre o corpo varia.
O mais leve estágio da incorporação se dá quando o médium recebe uma influência do espírito, que pode ser uma corrente de informações que o médium em questão traduz para o mundo físico. Aqui o médium preserva sua consciência.
Já no nível mais profundo, o médium tem pouca ou nenhuma consciência e controle sobre seu corpo. A alma do falecido pode então interagir plenamente com os vivos, apresentando-se com todas as suas características, ou seja, modo de falar, expressões, caretas e em alguns casos até odores.
Existem inúmeras técnicas para desenvolver essa habilidade, bem como finalidades para tanto, e é uma prática comum em muitas culturas ao redor do mundo.
A incorporação é praticada no espiritismo, na Umbanda, no Candomblé, no xamanismo, em diferenças religiões de povos que vivem mais ligados à natureza.
Em algumas culturas também é utilizada a técnica de incorporação de almas de seres humanos vivos, quando a alma de um ser humano que está adormecido ou entorpecido tem a capacidade de se mover na dimensão dos mortos e de incorporar em um médium.
Em qualquer caso, a incorporação é um fenômeno humano que envolve a vontade do médium de realizá-la e que nunca quebra o livre-arbítrio.
Incorporação e possessão: A incorporação na Umbanda
A incorporação ocorre na Umbanda quando o médium recebe os seus guias, que podem ser ciganos, baianos, pretos velhos, caboclos, exus, boiadeiros e assim por diante, para que se realize a Gira e possam ser feitos trabalhos espirituais e passes.
Para algumas correntes da Umbanda, a incorporação de orixás, que são entidades muito poderosas, é impossível. O que ocorre no caso é a incorporação dos falangeiros dos orixás.
Já para outras, a incorporação de orixás é possível, embora muito rara de acontecer, e é algo considerado uma bênção extraordinária.
Incorporação e possessão: E o que é a possessão?
Aqui entramos em um terreno espinhoso e difícil porque há muitas definições diferentes para a possessão, dependendo da cultura ou da religião.
Segundo algumas correntes espiritualistas, a possessão é uma prática em que uma entidade não humana ou força cósmica assume por inteiro o corpo e a consciência do praticante. Não se trata aqui de espíritos humanos, mas de divindades, demônios ou espíritos da natureza.
A possessão não necessariamente respeita o livre-arbítrio (se a entidade for maléfica, ela toma o corpo tirando proveito de brechas produzidas por ações negativas e falhas morais da pessoa cometidas nesta ou em outras vidas) e não é algo comum de acontecer.
Sua duração pode variar, e ser breve, durando minutos ou horas, ou então ser muito longa e necessitar de concentração e oração para ser quebrada, como no caso das possessões demoníacas estudadas no catolicismo, no budismo e em outras religiões que possem tradições que contam com complexos rituais de exorcismo.
Também a Umbanda, o espiritismo e o Candomblé possuem práticas de desobsessão para livrar um corpo possuído por um espírito perverso.
Já para a possessão por entidades positivas, são necessárias uma preparação especial e alguns rituais de purificação bem elaborados.
Na Grécia antiga, havia o oráculo de Delfos, em que a sacerdotisa se deixava possuir pelo deus Apolo.
Na Índia atual, ainda há práticas em que deuses hindus assumem temporariamente o controle de corpos humanos. E isso se dá também na África e em outros países.
A possessão de uma entidade não humana ou força cósmica também pode ocorrer coletivamente, quando uma única força ou entidade possui vários indivíduos ao mesmo tempo, se espalhando por essas pessoas. Claro que aqui estamos falando de entidades muito poderosas.
Incorporação e possessão: Existem possessões mais ou menos graves, quando são negativas?
Sim, existem diferenças de intensidade.
Há casos, como o relatado por um sacerdote católico, de uma garota de 15 anos que participou de um ritual satânico por curiosidade.
De volta para casa, ela ficou furiosa, chutando e arranhando os membros da família e cuspindo neles.
Após alguns minutos de exorcismo, ela foi libertada.
Por outro lado, há casos em que a pessoa manifesta na sua fúria uma força sobre-humana e até mesmo poderes paranormais como telecinese.
Nessa situação, a possessão se torna perigosa para quem a combate e necessita de muito empenho e virtude espiritual para ser vencida.
Incorporação e possessão no espiritismo
Allan Kardec, o codificador do espiritismo, modificou seu ponto de vista com relação à incorporação e possessão ao longo de sua vida e de seus estudos.
Inicialmente, no Livro dos Médiuns, ele a rejeitava.
Mas depois passou a reconhecer sua existência, primeiro através de um artigo publicado na Revista Espírita em 1863, depois no livro A Gênese.
Na Revista ele escreveu: “Temos dito que não havia possessos, no sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.” (Revista Espírita de 1863, Edicel, pág. 373.)
Aqui temos um conceito diferente de possessão, porque segundo Kardec ela condiz mais com nosso conceito atual de incorporação, que começou a se tornar mais comum e popular através primeiro de Léon Denis e depois por meio das obras de renomados autores espíritas brasileiros como Chico Xavier e Divaldo Franco.
Segundo o ponto de vista de Kardec, a subjugação ocorreria através da tomada de um corpo por um espírito perverso. Aqui entrariam as possessões demoníacas do cristianismo.
Já a possessão poderia ser produzida também por um bom espírito, mas estaríamos sempre falando de espíritos humanos, mais ou menos evoluídos.
Também há a diferença entre obsessão e possessão, como Kardec escreve em A Gênese, cap. XIV, item 48:
“Na obsessão há sempre um Espírito malfeitor. Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do corpo de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria suas vestes a outro encarnado.
Isso se verifica sem qualquer perturbação ou incômodo, durante o tempo em que o Espírito encarnado se acha em liberdade, como no estado de emancipação, conservando-se este último ao lado do seu substituto para ouvi-lo.
Quando é mau o Espírito possessor, as coisas se passam de outro modo. Ele não toma moderadamente o corpo do encarnado e o arrebata, se este não possui bastante força moral para lhe resistir.
Fá-lo por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao extremo de tentar exterminá-lo, já por estrangulação, já atirando-o ao fogo ou a outros lugares perigosos.
Servindo-se dos órgãos e dos membros do infeliz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a excentricidades e a atos que apresentam todos os caracteres da loucura furiosa.”
Aqui concluímos nosso artigo. Gostou? Dê sua opinião abaixo e compartilhe nas suas redes sociais!