O que é o Budismo Tibetano?
Podemos nos perguntar o que é o Budismo Tibetano especificamente.
No entanto, em primeiro lugar, deveríamos nos fazer uma pergunta mais fundamental: o que é o Budismo?
A definição mais simples é que o Budismo é a religião fundada a partir dos ensinamentos do místico itinerante indiano Sidarta Gautama, o Buda (que significa o “Iluminado”), e pode ser resumido nas doutrinas fundamentadas nas quatro nobres verdades:

1 – A realidade do sofrimento
2 – A realidade da origem do sofrimento, isto é, o desejo.
3 – A realidade do fim do sofrimento, que é a iluminação
4 – O caminho para o fim do sofrimento, para se chegar à iluminação, que se baseia no Caminho Óctuplo (de oito partes):
- entendimento correto,
- pensamento correto,
- linguagem correta,
- ação correta,
- modo de vida correto,
- esforço correto,
- atenção plena correta,
- concentração correta
O Budismo se desenvolveu então e se espalhou da Índia para outras regiões da Ásia, e em cada uma foi assumindo uma face diferente.
O budismo chinês por exemplo é profundamente diferente do Budismo Tibetano, que é diferente do zen japonês e assim por diante. Até pela mescla com tradições locais.
No Tibete o Budismo sofreu a influência de cultos xamanísticos locais e os lamas (os monges budistas tibetanos) desenvolveram toda uma mística única.
O Bardo Thodol e o Budismo Tibetano
O Bardo Thodol, conhecido como “Livro Tibetano dos Mortos”, faz parte desse contexto. É um livro que foi escrito no século VIII.
Ele contém instruções para a pessoa que está morrendo, que são recitadas no seu ouvido por um monge no momento de sua morte, geralmente em voz alta, e continua a ser recitado por 49 dias (7 semanas) mesmo depois do falecimento.
História e funções do Livro Tibetano dos Mortos dentro do Budismo Tibetano
O livro foi mantido em segredo até o início do século XX. No ano de 1917, foi descoberto por um viajante inglês e traduzido em 1927, após longos anos de trabalho. Atualmente, existem edições em todos os idiomas, também em português.
Em uma de suas edições, o célebre psiquiatra Carl Gustav Jung escreveu um prefácio em que declara ter sido um leitor assíduo do livro, devendo a ele muitas de suas ideias fundamentais.
Afirmou que este livro “revela os profundos segredos da alma”, declarando:
“Todo leitor sério de qualquer forma irá se perguntar se estes antigos sábios lamas, afinal de contas, não poderiam ter vislumbrado realmente outras dimensões, arrancando com isso o véu de um dos maiores mistérios da vida.”
Para se entender o texto, é preciso levar em conta que o budismo tibetano considera o principal objetivo do homem alcançar a Iluminação, ou seja, a plena consciência da irrealidade do mundo material e, portanto, também do próprio ser. No budismo, os conceitos de Deus e alma são desconhecidos, ou então irrelevantes.
Segundo os budistas tibetanos, a crença da realidade do mundo material é causada pela ignorância sobre a verdadeira natureza da existência. É o que o budismo tibetano quer dizer quando diz que o mundo é irreal. O remédio para essa ignorância é ver além da ilusão. Para alcançar esse estágio, é necessário reconhecer as próprias projeções do mundo e dissolver o senso de si no vazio e no luminoso.
O Budismo Tibetano aceitou o conceito hindu de que o homem acumula karma durante a vida. Este karma é a causa do nascimento de um novo indivíduo após a morte.
Se o karma é negativo, também pode renascer como animal; se o karma é positivo, também pode renascer em um dos muitos estados espirituais superiores ao homem (os devas, por exemplo), mas mesmo isso não é um fato positivo, porque esses estados também estão sujeitos à lei do karma.
No Budismo Tibetano. A recitação do Bardo Thodol aos moribundos é uma tentativa de fazê-lo alcançar a iluminação enquanto ele estiver no estado de Bardo, ou seja, no intervalo de tempo que precede um novo renascimento.
Na grande maioria dos casos, esse objetivo não é alcançado, mas, como efeito secundário, a pessoa que está morrendo pode ter um bom renascimento, como se tornar um ser humano dotado das qualidades que lhe permitirão alcançar a iluminação em uma nova vida.
Segundo o Budismo Tibetano, o ensinamento fundamental que o Bardo Thodol dá à pessoa que está morrendo é que todas as visões que lhe aparecem são apenas projeções de sua mente e que, portanto, ele deve evitar absolutamente ser atraído por elas.
É necessário notar que muitas dessas visões coincidem com as descrições feitas por pessoas que voltaram à vida após uma aparente morte.
Trechos do Bardo Thodol, o Livro Tibetano dos Mortos.

Apenas como exemplo, aqui estão algumas passagens do texto:
“Ó nobre filho, agora a assim chamada morte chegou; portanto agora você assumirá a atitude do estado de mente iluminada, de benevolência e compaixão, e você alcançará a iluminação perfeita em prol de todos os seres. Sem abandonar essa atitude, lembre-se de praticar todos os ensinamentos recebidos no passado.
Ó nobre filho, ouça: a pura luminosidade da Lei brilha à sua frente, reconheça-a. Agora seu estado mental é puro, um vazio natural, que não possui natureza própria, nem substância, nem qualidade.
Sua mente é luminosa e vazia, e se manifesta na forma de uma grande massa de luz. É o buda da luz imortal. Reconheça-o.”
E outro trecho diz:
“Vá em frente dizendo essas palavras de forma clara, distinta, entendendo seu significado. Não as esqueça, porque o ponto essencial é reconhecer com certeza que tudo o que aparece, por mais aterrorizante que seja, é sua projeção. Não tenha medo, não se perca.
Este é o brilho natural da Lei, reconheça-o. Filho de nobre família, se você não entendeu este ponto essencial, você não reconhecerá os sons, a luz e os raios e continuará vagando pelo samsara (o ciclo de renascimentos no budismo e no hinduísmo).
Ao acordar do seu sono, você se perguntará o que aconteceu com você: reconheça isso como um estado de Bardo (período intermediário).”
Assim temos uma ideia do que trata o Livro Tibetano dos Mortos, em que podemos encontrar paralelos com outras tradições espirituais e também em experiências à beira da morte. Isso sem perder de vista a cultura em que foi produzido. E assim temos que levar em conta seus aspectos específicos, que podem servir para enriquecer nossa concepção do mundo e da espiritualidade.
Conclusão
O Bardo Thodol nos garante que morrer é um nascimento na luz, não um mergulho na noite. E nos convida a permanecermos calmos no momento final, a não ceder ao medo em relação ao outro mundo.
A passagem para a luz é precisamente um tema que está presente em muitos testemunhos relacionados a visões da vida após a morte e a experiências de quase-morte.
Por exemplo, a pessoa que vive esse tipo de experiência pode escutar os médicos anunciando sua morte; vê seu corpo de fora; mas então, se não se apavora, experimenta uma sensação de grande paz; passa por um túnel escuro; e então experimenta uma Luz envolvente.
O poeta alemão Goethe, em seu leito de morte, em êxtase, murmurou mehr Licht!, ou seja, “Mais luz!”, como se para testemunhar a passagem invocasse uma maior clareza, e é aí que entra a serenidade ensinada no budismo, especialmente no Budismo Tibetano, e em livros como o Bardo.
Embora muitas coisas ditas e relatadas no livro possam parecer estranhas, isso se deve mais a diferenças culturais. Para além delas, o que ele relata é uma experiência universal, transmitida através da linguagem do Budismo Tibetano, que, como dissemos acima, pode servir para nos enriquecer.
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